terça-feira, 18 de novembro de 2014

MAS....

Eu tinha uns 12 anos. Um menino que eu gostava pediu pra ficar comigo num aniversário em que iríamos. Meu primeiro beijo tinha hora pra acontecer! Eu tinha um vestido que gostava muito, e decidi que ia usá-lo. Quase na hora de sair, vesti a roupa e achei o decote profundo demais. Coloquei por baixo uma blusa de frio de gola rolê. Era março. Me escondi. Essa é a memória forte (e repetidas em inúmeras situações) da relação que tive com meu corpo durante tempo demais. Eu me escondia pra quem ninguém visse o que eu via. Gordinha. A maior do grupinho. Nunca obesa, nunca doente, nunca realmente um problema pra mais ninguém. Só pra mim. Eu não cabia, não pertencia, não merecia. Tinha lindas pernas e um belo bumbum, mas. MAS. Se você veio a esse blog, com certeza já desenvolveu a empatia pelo problema. Eu não preciso comover a sua alma com mais nenhum relato triste. E, para nossa felicidade, esse não é um texto de pura catarse. É de fatos. E de como a nossa mente pode se tornar a nossa melhor amiga. Eu quis ser magra, várias vezes. Nunca achei que valeria a pena tomar remédios para emagrecer, ou fazer cirurgias - sou medrosa com essas coisas. Tentei um pouco melhorar a imagem que eu via no espelho, até perceber que o problema não era a imagem, era a visão. Vinte anos depois daquela gola rolê, eu não me escondo mais. Aos poucos fui aceitando que tinha qualidades, e que era feminina, e que podia até caber em uma categoria distorcida de bonita - já que a categoria oficial vigente é a que se estampa na capa da revista. Foi o começo. Confesso que um programa de tv contribuiu. TV americana, série (meio fútil) sobre como usar as melhores roupas pro seu corpo. E percebi que eu podia me apresentar muito bonita, chamativa, elegante, mesmo com o corpo que eu tinha (e tenho). E isso, pra usar um verbo bem feminista, me EMPODEROU. Eu ainda era (sou) gordinha, MAS. Reverter esse "mas" é a glória do ano de 2014. Me aceitar bonita e desejável como sou foi a coisa mais gostosa que eu fiz nos últimos anos. Ainda existe fragilidade e algum medo da opinião alheia. Esse medo não me paralisa mais. Repita comigo: a opinião positiva dos outros é só um eco da sua própria verdade, e a negativa é... bem... só uma opinião de uma pessoa nesse mundo de gente. E foi então que veio o impensável. Primeiro, nos treinos que eu fazia em uma praça, com um personal. - Sim, eu faço exercícios, mas desde o início deixei claro que tenho objetivos que não têm nada a ver com estética (ela é só um brinde). - Vinha fazendo calor demais e eu decidi que não ia me sufocar debaixo de uma blusa só pra tampar a barriga. Se não gostassem do que vissem, virassem o olhar, mas eu fui treinar de top e calça. E ninguém morreu por isso. Não satisfeita, resolvi enfiar a experiência num outro mundo dos meus melindres: a dança de salão. Fui ao forró com uma blusinha curta, solta, e uma calça jeans. Fiquei a noite inteira preocupada (e meu fisioterapeuta agradece, porque o tempo inteiro murchando barriga é tudo o que minha coluna precisa pra voltar ao lugar), mas vi olhares lascivos que concordavam com a minha opinião. E, no ato supremo, fui à festa a fantasia numa roupa de dança do ventre. Superexposta num ninho de vaidades. Esse foi o exercício mais difícil, o medo maior. Contei a alguns amigos a intenção, só pra garantir que alguém me daria força se eu começasse a pensar em desistir. E fui. De vermelho. Nenhuma opinião contrária à minha foi expressa. Ninguém ousou dizer que eu era atrevida por exibir uma barriga que não era um tanquinho, ou um corpo com mais de 30% de gordura corporal. Eu credito isso ao fato de estar me sentindo poderosa, globalmente. As pessoas devem ter visto que aquilo, aquela barriga branca exposta, era só um detalhe no conjunto maravilhoso da obra que eu sou como ser humano, mulher, livre e feliz. E tudo isso é muito lindo, mas ainda não é a cereja do bolo. O que me fez merecer o convite para escrever aqui foi o próximo passo. Estava decidido que, em todos os lugares que me importam, eu posso ficar de barriga de fora. Então, que se danem os lugares que não importam. E é assim que eu, duas vezes por semana nesse tempo de chuva, vou com o meu top, a minha calça e a minha barriga de fora, ao templo do culto ao corpo: a academia. Nem as magrelas, nem as saradas. Roupas justas, sim. Shorts curtos, talvez. Ninguém expõe a pele naquele ambiente. Só eu. E se alguém acha ruim, é só uma opinião. Pai, afasta de mim essa gola rolê. (Adriana Rodrigues)

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

E QUEM ESCOLHE SER MAGRO?

Eu vou falar uma coisa pra vocês sobre ser gorda e sobre emagrecer que tá há muito tempo engasgado na minha garganta: Talvez alguém escolha ser gorda, aceite ser gorda e se sinta linda gorda (porque somos mesmo), mas NINGUÉM, PRESTEM BEM ATENÇÃO: NINGUÉM escolhe emagrecer. Eu como feminista, que estava bem com meu corpo há muitos quilos atrás e inclusive com a minha saúde, eu nunca escolhi emagrecer, foram vocês que escolheram por mim, desde criança quando a professora da escola dizia que eu tinha que comer menos no recreio porque se não nenhum menino ia gostar de mim, quando aquela parente que eu não via há muito tempo comentava: ''nossa, seu rosto é tão lindo'', quando aquela amiga da minha mãe dizia pra eu emagrecer pra arranjar um namoradinho (porque mulheres vivem só pra isso), quando aquele menino ficou com a gorda e disse pros amigos que era porque tava bêbado, quando naquela novela a gorda é ridicularizada o tempo todo, quando o banco do ônibus não cabe a gente, ou quando a sociedade usa a carteirada de uma vida saudável por traz da sua gordofobia, mas e se eu mostrasse meu exames e dissesse que tava tudo OK?? Eu não estou fazendo uma apologia ao sedentarismo, ou a falta de saúde mas as pessoas devem poder escolher, nem todo gordo é doente, nem todo magro é saudável e afinal, desde quando vocês se preocupam tanto com a saúde alheia?? Porque a minha amiga bem magrinha, que comia frituras e doces diariamente e tinha colesterol alto, nunca ouviu ninguém falar que ela precisava se cuidar, que precisava cuidar da saúde. Emagrecer não foi uma escolha minha, e ás vezes eu me sinto culpada por isso, as vezes acho que isso pode fazer de mim menos feminista, mas daí eu lembro que foi a sociedade que me empurrou pra aquela mesa de cirurgia. Quanto mais eu ouvia: ''nossa, você tá engordando, não faz isso, você é tão legal, seu rosto é tão bonito'', adivinhem: mais eu engordava. Ainda que uma gorda seja saudável, feliz, empoderada...vocês sempre arranjaram um jeito de em algum momento importuná-la com sua gordofobia. Por fim eu queria dizer que é horrível emagrecer e ver como as pessoas te olham diferente, como te acham mais legais, como aquela pessoa que você sempre foi afim e nunca olhou na sua cara te manda mensagens te chamando pra sair, é horrível ver que o seu corpo vale mais do que você, vale mais do quê sua vida, vale mais do quê sua felicidade. Eu ainda estou longe da magreza, e estou bem assim, não me encham o saco e por favor parem de enfiar seus dedos nas gargantas de nossas mulheres pra que elas se encaixem nos padrões escrotos de vocês. (Bárbara Quadros)